sábado, 20 de abril de 2013

De Pai Para Filho

J. R. R. Tokien falando sobre sexo

A popularidade admirável de J. R. R. Tolkien e de seus escritos, engrandecida pelo sucesso da série de filmes O Senhor dos Anéis, nos dão a certeza de que o mundo imaginário e de significado moral de Tolkien permanece como uma das grandes realizações literárias de nosso tempo.

Em certo sentido, Tolkien foi um homem de outra época.  Sendo um filólogo de coração, ele ficava mais à vontade no mundo das eras antigas, ao mesmo tempo em que testemunhava os horrores e barbaridades do século XX. Celebrado como um autor popular, ele era uma testemunha eloqüente de verdades permanentes. Sua popularidade nos campus universitários, estendendo-se de seus dias até ao presente, é uma poderosa indicação de que os seus escritos alcançam os corações dos jovens e daqueles que buscam respostas.

Ao mesmo tempo em que Tolkien é celebrado como autor e literato, algumas de suas mensagens foram transmitidas por  meio de cartas, e algumas de suas cartas mais importantes foram dirigidas aos filhos.

Tolkien casou-se com Edith, sua esposa, em 1916; e a união foi abençoada com quatro filhos. Dos quatro, três eram homens.

John nasceu em 1917, Michael em 1920 e Christopher em 1924. Priscilla, a única filha de Tolkien, nasceu em 1929. Tolkien amava bastante seus filhos e deixou um grande legado literário na forma de cartas. Muitas dessas cartas foram dirigidas aos filhos e representam não somente um excelente exemplo de qualidade literária, mas também um tesouro de ensino cristão sobre assuntos como a humanidade, o casamento e o sexo. Consideradas juntas, essas cartas constituem uma herança inestimável não somente para os filhos de Tolkien, mas também para todos aqueles com os quais elas foram compartilhadas.

Em 1941, Tolkien escreveu uma carta primorosa ao seu filho Michael, falando sobre o casamento e as realidades da sexualidade humana. A carta reflete a cosmovisão de Tolkien e seu profundo amor pelos filhos. Ao mesmo tempo, reconhece os graves perigos inerentes à sexualidade desenfreada.

“Este é um mundo caído”, afirmou Tolkien. “A perversão do instinto sexual é um dos principais sintomas da Queda. Durante todas as épocas, o mundo tem ido ao pior. As várias formas de mudança social, e cada novo costume têm seus perigos especiais. Mas, desde a queda de Adão, o espírito de concupiscência tem andado em todas as ruas e se assentado com malícia em todos os lares”. Esse reconhecimento do pecado humano e dos resultados inevitáveis da Queda expressa um contraste extremo em relação ao otimismo humanista que foi compartilhado por muitos durante o século XX. Mesmo quando os horrores de duas guerras mundiais, do holocausto e de vários outros males castigaram o otimismo recente quanto ao progresso humano, o século XX deu evidência de uma fé inabalável no sexo e no seu poder libertador. Tolkien não teve nenhuma dessas coisas.

“O Diabo é incansavelmente habilidoso, e o sexo é o seu assunto favorito”, insistiu Tolkien. “Ele é tão bom em apanhá-lo por meio de motivos generosos, românticos e compassivos, como o é por meio de motivos mais comuns ou naturais.” Assim Tolkien aconselhava seu filho, que na época tinha 21 anos, dizendo-lhe que as fantasias sexuais do século XX eram mentiras demoníacas que tencionavam enlaçar os seres humanos. O sexo era uma armadilha, advertiu Tolkien, porque os seres humanos são capazes de racionalizações quase infinitas em termos de motivos sexuais. O amor romântico não é suficiente para justificar o sexo, Tolkien entendeu.

Ampliando o argumento, Tolkien advertiu seu filho de que a amizade entre um homem e uma mulher, uma amizade supostamente livre de desejo sexual, não demoraria muito a ser perturbada pela atração sexual. É quase certo que pelo menos um dos participantes dessa amizade será inflamado pela paixão
sexual, advertiu Tolkien. Isso é especialmente verdadeiro no relacionamento entre jovens, embora ele acreditasse que esse tipo de amizade poderia ocorrer mais tarde na vida, “quando o sexo perde a intensidade”.

Conforme percebe qualquer leitor de Tolkien, ele era romântico de coração. Celebrava o fato de que, “em nossa cultura ocidental, a tradição romântica e cavalheiresca ainda é forte”, embora reconhecesse que “os tempos lhe são hostis”. Assim, como um pai preocupado, Tolkien aconselhou Michael a evitar que seu instinto romântico o levasse a corromper-se, iludido pela “bajulação da simpatia bem temperada com estímulos sexuais”.

Além disso, Tolkien demonstrou um profundo entendimento da sexualidade masculina e da necessidade de limites e restrições. Embora tenha sido freqüentemente criticado por possuir um entendimento bastante negativo da sexualidade masculina, Tolkien apresentava uma avaliação sincera do impulso sexual em um mundo caído. Ele argumentava que os homens não são naturalmente monogâmicos. “A monogamia (embora há muito seja fundamental às nossas idéias herdadas) é para nós, homens, um parte da ética revelada de acordo com a fé, e não de acordo com a carne.”

Em seu próprio tempo, Tolkien viu o poder dominante de um costume cultural e da tradição moral regredir à memória histórica. Tendo a revolução cultural já visível no horizonte, Tolkien acreditava que a ética do sexo revelada pelo cristianismo seria a única força adequada para restringir a sexualidade
desenfreada do homem caído. “Cada um de nós poderia sinceramente gerar, em nossos 30 anos excedentes de masculinidade plena, centenas de filhos e desfrutar do processo”, Tolkien advertiu seu filho. No entanto, as alegrias e satisfações do casamento monogâmico fornecem o único e verdadeiro contexto para a sexualidade que não se envergonha. Além disso, Tolkien era confiante no fato de que o entendimento do cristianismo a respeito do sexo e do casamento implicava prazeres eternos e temporais.

Ao mesmo tempo em que celebrava a integridade do casamento cristão, Tolkien advertia a seu filho de que a verdadeira fidelidade no casamento exige um exercício contínuo da vontade. No casamento há uma exigência de renúncia, ele insistia.

“Fidelidade no casamento cristão envolve isto: grande mortificação. Para um homem cristão não há escape. O casamento pode ajudar a santificar e dirigir ao seu devido alvo os seus desejos sexuais. As graças do casamento podem ajudá-lo na luta, mas a luta permanece. O casamento não o satisfará de uma vez  – assim como a fome precisa ser mantida afastada por refeições regulares. Apresentará tantas dificuldades à pureza conveniente àquele estado como proverá facilidades. Nenhum homem, por mais que, como jovem, tenha amado verdadeiramente sua noiva e prometida, jamais vivenciou fidelidade para com ela, como esposa, na mente e no corpo, sem o exercício deliberado de sua vontade e sem auto-renúncia.”

Tolkien traçava a infidelidade no casamento, especialmente por parte do homem, ao erro da igreja em não ensinar estas verdades nem falar sobre estes assuntos com honestidade. Aqueles que viam o casamento como nada mais do que a arena de amor romântico e arrebatado ficariam desapontados, entendia Tolkien. “Quando o glamour desaparece ou perde seu brilho, os cônjuges pensam que cometeram um erro ou que ainda estão por achar sua verdadeira alma gêmea. E a verdadeira alma gêmea é, com freqüência, a próxima pessoa sexualmente atrativa que surge em seu caminho.”

Com essas palavras, Tolkien advertiu a seu filho que o casamento é uma realidade objetiva honrosa aos olhos de Deus.

Assim, o casamento define as suas próprias satisfações. A integridade do casamento cristão exige que um homem exerça sua vontade no âmbito do amor e comprometa todas as suas energias e paixões sexuais ao estado honroso do casamento, recusando-se até na imaginação a violar seus votos matrimoniais.

Em uma carta ao seu amigo C. S. Lewis, Tolkien disse: “O casamento cristão não é uma proibição à relação sexual, e sim a maneira correta de temperança sexual – de fato, talvez a melhor maneira de obtermos o prazer sexual mais satisfatório”. Em face de um mundo cada vez mais comprometido com a anarquia sexual, Tolkien entendeu que o sexo tem de ser respeitado como um dom complexo e volátil, tendo potencial de grande prazer e de grande sofrimento.

Com profundo discernimento moral, Tolkien entendeu que as pessoas que se entregam mais irrestritamente aos prazeres sexuais obterão, no final, menos prazer e realização. Como explica o autor Joseph Pearce, um dos mais perspicazes intérpretes de Tolkien, a temperança sexual é necessária “porque o homem não vive apenas de sexo”. Temperança e restrição representam “o caminho moderado entre o pudor e a lascívia, os dois extremos da obsessão sexual”, Pearce acrescenta.

Referências explícitas à sexualidade estão virtualmente ausentes nas obras, alegorias, fábulas e estórias publicadas de Tolkien. No entanto, o sexo está sempre em segundo plano como parte do panorama moral dessas obras. Joseph Pearce entendeu isso com clareza, argumentando que os personagens literários de Tolkien “certamente não são destituídos de sexo, no sentido de assexuados, mas, pelo contrário, no que diz respeito ao sexo, são arquétipos e estereótipos”. Pearce faz essa afirmação apesar
de não haver atividade ou sedução sexual notória nas histórias de Tolkien.

Como isso é possível? Empregando um profundo espírito de moralidade, Tolkien apresentou seus personagens em termos de honra e virtude, usando homens heróicos que demonstravam virtudes masculinas clássicas e heroínas que apareciam como mulheres de honra, valor e pureza.

Contudo, se não tivermos considerável acesso às realidades da família de Tolkien e de seu papel como marido e pai, dificilmente seremos compelidos a apreciar o entendimento de Tolkien quanto ao sexo, casamento e família. As cartas de Tolkien, especialmente as que ele escreveu aos três filhos, mostram a preocupação amorosa de um pai dedicado, bem como o raro dom literário que Tolkien possuía e empregava com poder. A carta que Tolkien escreveu para Michael em 1941 – na época em que o mundo explodia em guerra e a civilização desmoronava – é um modelo de preocupação, conselho e instrução paternal.

Do ponto de vista do século XXI, para muitos Tolkien pareceria tanto desarmônico como destoante em relação aos padrões sexuais de nossa época. Sem dúvida, ele tomaria isso como um elogio, não intencional, mas sincero. Ele sabia que estava em desarmonia com sua época e recusou firmemente atualizar sua moralidade para satisfazer o padrão exigido pelas pessoas modernas.

Escrevendo a Christopher, seu filho mais novo, Tolkien explicou isto: “Nascemos numa época obscura, num tempo indevido (para  nós). Mas há este consolo: de outro modo, não conheceríamos nem amaríamos o que realmente amamos. Imagino que um peixe fora da água é o único peixe que tem uma concepção da água”.

Somos gratos por essas cartas, elas contêm mais do que uma pequena indicação do que Tolkien significava.

Extraído de : Desejo e Engano - R. Alberth Mohler Jr.

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